Chegou-me às mãos uma carta, escrita já há alguns anos, pelo Dr. Fernando Vieira de Sá, que reza assim:
"Amigo: A contagem decrescente para a hora em que soará o grito de independência da tua terra, começou já a fazer-se. Não podia, não queria eu, deixar de, na tua pessoa, saudar com toda a emoção, essa nova pátria, e manifestar todos os meus votos para que, a partir do facto histórico que se irá transpor, surja um futuro viril e digno para todos os irmãos que aí ficam a continuar o que ainda temos de bom na nossa civilização, a língua e atrofiados germes de cultura, que bem poderiam ter um significado mais forte, se não fosse a carga fascista que se contrapôs.
Tu vais ter a felicidade de ir assistir e participar no nascimento e primeiros balbuciantes passos de um País. Vais ser um dos seus grandes obreiros - também estou certo - e podes crer que muitos te invejarão. Agora vais tu, também, rejuvenescer, trespassado por impulsos criadores próprios de grandes e sublimes momentos que fazem dos homens heróis, mártires e santos. Estamos crentes que as guerras anteriores já deram no campo de heroicidade e do martírio forte contributo. Há agora que, com espírito de santo, trazer a paz à terra e a harmonia entre as raças, sem distinções de classes nem de clãs. Essa será a tarefa e que não pode ser mais bela.
Tenho pena de não poder acompanhar-te e, talvez mesmo, nunca mais tenha a oportunidade de aí voltar. De qualquer modo, um pouco de mim mesmo deixei aí, pois sempre encarei Moçambique como país de gente livre que haveria de ter coragem de um dia se libertar. Ora bem: Aconteceu mais, libertou-se de facto, libertando-nos a nós, portugueses, também, pois há que reconhecer que os nossos militares foi no mato, na selva, onde aprenderam a democracia, que alguns como eu, tu e outros traziam no sangue, sabe-se lá trazida por quais cromossomas. Este resgate não tem preço e eu, como português democrata, não posso deixar de manifestar a minha gratidão. A FRELIMO está limpa de compromissos estrangeiros e, estou certo, irá trabalhar por uma pátria livre do jugo do capitalismo mundial. Assim fora também em Angola, por sobre cujo céu pairam os abutres dos monopolistas em franca correspondência com traidores à sua raça e ao seu torrão, numa repetição dolorosa de uma Coreia do Sul, de um Vietname do sul, de um franquismo ou Salazarismo, voando sempre em cima de carne podre, de cadáveres e injustiças.
VIVA MOÇAMBIQUE! VIVA A AMIZADE ENTRE PORTUGAL E MOÇAMBIQUE! VIVA A NOVA DEMOCRACIA E QUE ELA SEJA UMA VERDADEIRA DEMOCRACIA POPULAR DO POVO MOÇAMBICANO.
Lisboa, 5 de Junho de 1975." - Public. in VOZ DE MOÇAMBIQUEComo se pode verificar, a carta foi escrita de Lisboa. A mais de 17.000Kms. E foi tão entendida pelos moçambicanos, pelo menos na parte final, onde se dá vivas à amizade, que hoje Moçambique faz parte da comunidade Britânica. Era fácil naquela altura estarmos do lado de quem nos pudesse dar mais jeito.
Serve isto para recordar, uma África, onde eu gostei de estar, sem favores de ninguém. Não era preciso. A única coisa que era, e è necessário, é sentirmos África, sentirmos Moçambique, terra da boa gente.
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